segunda-feira, 2 de setembro de 2013

DENÚNCIAS DE TORTURA

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– A defesa dos direitos humanos foi uma das principais bandeiras da
oposição no Brasil durante a ditadura militar. Tenho plena consciência de
minha contribuição nessa luta, especialmente quando e enquanto parlamentar.
O processo de abertura política pretendido, mas apenas esboçado, foi
seriamente atingido por uma série de atividades antiterroristas, de setores
vinculados à chamada linha dura, formada por militares contrários à liberalização
do regime. Tudo começou em 76, quando dez atentados a bomba
chocaram a nação, e foi ao apogeu quando, no final de 80, foram computados
nada menos de quarenta e seis atos terroristas, todos praticados por organizações
de extrema direita. Os de maior repercussão foram o sequestro
e esfaqueamento do jurista Dalmo Dallari, membro da Comissão Arquidiocesana
de Justiça e Paz de São Paulo, e o atentado à sede da OAB do Rio
de Janeiro, em que perdeu a vida a secretária Lyda Monteiro da Silva.
Determinado, Genival empreendeu verdadeira batalha contra gente ligada
à tortura e a atos terroristas praticados naquele quadro. O ex-proprietário
do Jornal de Minas, Afonso de Araújo Paulino, reconhecidamente comprometido
com os agentes de repressão e do terrorismo de extrema direita, foi
um dos denunciados. Na sessão de 7/7/79, a primeira acusação, devastadora:
– Hoje, aqui, vou falar de um homem desprovido de qualquer resquício
de caráter. Eu o conheci, horrorizado, nos idos de 1964, relatando a risonhos
companheiros todos os detalhes da prisão e espancamento do ex-deputado
federal padre Laje e, nos dias seguintes, quando Belo Horizonte se encolhia
de medo das estripulias praticadas pelos chamados “voluntários”, geralmente
jovens que confundiam o ódio do momento com patriotismo, eu o
vi no comando de vários desses grupos. Arrogante, dono da verdade, mais
patriota do que todo o povo de Minas Gerais, aí começaria a triste carreira
do Afonso Paulino, proprietário de um jornaleco em Belo Horizonte. De
espancar padres, estudantes e operários, logo subiu mais um degrau no seu

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processo de decomposição moral. Passou a dedo-duro dos seus colegas de
profissão, dentre outros, levando o medo e o desespero a tantos lares mineiros.
A sinistra figura que então se formava, de quem se afastavam, prudentemente,
os homens de bem, viria a ter o seu apogeu nos idos de 1968
a 1970, quando assessorava o DOI-CODI de Minas Gerais. Ligando-se intimamente
ao aparelho de repressão política de Minas, foi possível a Paulino
descarregar todos os seus recalques, suas frustrações e seu ódio, firmandose,
muito de indústria, como a seguir veremos, como um dos homens mais
temidos da minha província. Formava, ao lado do capitão Gomes Carneiro
e do tenente Marcelo Paixão Araújo, o triunvirato do terror em Minas. O
DOPS, onde operava o DOI-CODI sob a chefia daquele, militar mais graduado,
passou a ser a casa sombria, olhada por todos com medo e angústia.
Durante cerca de um ano, o trânsito em frente àquela repartição, situada em
plena Avenida Afonso Pena, a mais movimentada da capital mineira foi, ridiculamente,
interrompido “por questões de segurança nacional”. Era a
“Nova Bastilha”, de longe e com horror divisada pelo povo mineiro. Era o
símbolo máximo da prepotência, o então local preferido de trabalho de
Afonso Paulino. Mais patriota do que todos, agindo com a desenvoltura dos
que se julgam inatingíveis, sempre invocando a ordem interna, usando de
credenciais de agente dos órgãos de repressão, o homem passou a decidir
sobre tudo e sobre todos, com total apoio daqueles dois militares, e a omissão
dos que poderiam deter a sua jornada.
Genival relatou a violência que cercara a prisão do padre D’Amato
em Sete Lagoas, e o atrevimento de Paulino em vetar, publicamente, as
candidaturas à secretaria da Assembleia de Minas de dois políticos honrados,
os deputados João Navarro e João Ferraz, acusando-os de corrupção.
O veto, infelizmente, fora acatado, e o fato, “página melancólica
daquela instituição”, jamais fora noticiado pela imprensa, então submetida
a uma censura arbitrária, a bel prazer de humores das “autoridades”.
– Aliás, quando digo página melancólica daquela instituição, não posso
deixar de lembrar que o passo mais negro de toda a história da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais se deu nos primeiros dias de abril de 1964. Para
quem não se lembra, é bom que eu reconte o acontecido porque, a cada dia,
menos se conhece da história política deste País. O fato é que quem ensinou
os militares a cassar mandatos foram os deputados mineiros, praticamente
na sua unanimidade. No dia três ou quatro de abril, alguém da Assembleia
se lembrou de propor a cassação do mandato de três deputados trabalhistas
vocacionados para a defesa dos interesses populares, o Clodsmith Riani, o

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Dazinho e o Sinval Bambirra. Estimulados pelos militares, nossos deputados
se uniram de maneira impressionante. Basta dizer que houve apenas dois
que não votaram pela cassação, dois que não participaram daquela patifaria
praticada contra os colegas trabalhistas. Um, Delson Scarano, de São Sebastião
do Paraíso, Sul de Minas, e o outro, de Araguari, Hugo Aguiar, que foi
depois diretor da Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais. Até mesmo
toda a bancada petebista, naquele abril de 64, votou pela cassação dos trabalhistas.
Somente no dia nove seguinte é que os militares, seguindo o compasso
da Assembleia, começaram as cassações às centenas, alegando
corrupção e subversão. Anos depois, essa mesma Assembleia, arrependida,
em ato de contrição após a queda da ditadura, passou a considerar aqueles
parlamentares como ex-deputados e pagou-lhes pensão, como pagou pensão
às viúvas de dois deles que já se foram. Um, o deputado Sinval Bambirra,
meu particular amigo, foi presidente do Sindicato dos Tecelões, e com ele
tive um relacionamento muito próximo. Nós praticamente tínhamos as mesmas
ideias de ordem socialista.
A quinze de março de 1976 foi feita, pelo promotor do Rio de Janeiro,
Antônio Carlos Silva Biscaia, atualmente deputado federal, a primeira delação
contra Afonso Paulino. Após a leitura do documento de denúncia, ainda
sem julgamento, Genival chamou a atenção para o grave fato de que a reação
somente se iniciara após haver sido Paulino demitido de suas funções de
“colaborador” da ID-4 e de agente do DOI-CODI, em 71. Das razões da demissão,
apresentadas e lidas, constava que tal deliberação se devia a “haver
chegado ao conhecimento deste comando versão sobre possíveis ligações
de problemas individuais, particulares à natureza dos trabalhos de que era
investido pela ID-4”. Envolvendo Paulino, a par de crimes mais graves, contra
o patrimônio, a liberdade e a vida, transitavam pelos cartórios de Belo
Horizonte acusações de calúnia, injúria e difamação. No Vale do Jequitinhonha,
“para onde se estendeu a sanha criminosa do nosso personagem” instalara-
se clima de terror, conforme encaminhamento do militar reformado
Sebastião de Jesus Miranda às autoridades. O denunciante expunha, cruamente,
as arbitrariedades cometidas por Paulino. A consequência da denúncia
foi o assassinato, por pistoleiros, do delator. Não foi conseguido depoimento
de Paulino a respeito. Outro documento enviado ao comandante do 3º BPM,
sediado em Valadares, contava como Paulino retirara famoso pistoleiro, Alfredão,
da Penitenciária de Neves para, ao mais deslavado estilo dos gângsteres,
colocá-lo a seu serviço, fato citado com indignação por Genival, que
mencionou outras situações e a clara omissão do poder público.

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